segunda-feira, 27 de julho de 2009

A ética antiética

[...] Então, hoje, fala-se em ética, e não mais em moral. Mas cabe perguntar se essa migração trouxe consigo alguma novidade , do ponto de vista do conteúdo. Blondel e Sptiz afirmam que não, e precisamos lhes dar razão. A palavra moral é suspeita porque fala em normas: ora, as atuais referencias a "ética" são tão normativas quanto aquelas associadas à moral. Longe de traduzir os ideais do "proibido proibir" juvenil, da época dos meninos e das meninas que amavam os Beatles e os Rolling Stones, as constantes referencias atuais à ética parecem mais relacionadas a uma demanda quase que desesperada por normas, por limites, por controle. Fala-se em ética na política: trata-se de regras. Elaboram-se códigos de ética nas empresas: mais uma vez, declinam-se regras de conduta. Criam-se comitês de ética na pesquisa: mais regras. Note-se que os valores em nome dos quais tais investidas éticas se realizam são os mais nobres: respeito pelo eleitor, pelo consumidor, pelo sujeito das pesquisas científicas (seres humanos e animais), e outros mais, todos inspirados pelos Direitos Humanos. Todavia, o fato é que as referências à ética tratam de deveres, assim como a moral o faz. Nenhuma real novidade, portanto. Ou melhor, há uma: a proliferação de diversas "éticas" são o sintoma de uma espécie de fúria normatizadora, à qual assistimos hoje, e que as estreitas balizas do "politicamente correto" traduzem com perfeição. Tal fúria não será, na verdade, decorrência de uma crescente desconfiança em relação à consciência moral dos indivíduos? Responder afirmativamente a essa indagação faz sentido, haja visto o número assustador de medidas de controle a que somos cotidianamente submetidos. Como já o sinalizaram alguns autores, fala-se muito em ética – na verdade, pensa-se muito na moral, mas com medo de empregar o terrível vocábulo – porque julga-se que algo vai mal nas relações sociais, que a desonestidade se banaliza, assim como se banalizam as incivilidades e a violência, que a honra se esvai e que reina a desconfiança. Todo o problema consiste em saber se a multiplicação das normas resolve o problema, ou se não estamos caindo no que Canto-Sperber chama de "fetichização da regra", decorrência de uma falta de reflexão sobre os princípios de onde derivam, se não estamos assistindo a uma "tirania ética", segundo a feliz expressão da mesma autora. Em resumo, vale a pena perguntar-se se a moda atual dos empregos da palavra ética não traduz, por um lado, a fantasia intelectual de crer que se está falando em algo profundo, científico, muito mais nobre do que a moral, e, por outro, uma espécie de volta para o passado, de volta para um fundamentalismo moral, agora com ares de sofisticação filosófica. Eis a pergunta. Minha resposta é a de que, por pensarem que seguem a nobre ética, muitas pessoas inconscientemente solapam a liberdade e a autonomia, por intermédio de um dogmatismo que não se assume enquanto tal. (La Taille, 2006, p.28)

O texto retirado da obra "Moral e Ética" de Ives de La Taille, traduz bem esse fenômeno tão consagrado quanto hipócrita que é o da abordagem atual da ética como "superioridade moral". Afinal, o que seria tal ética senão uma imposição de regras cuja fundamentação cognitiva muitos desconhecem? A própria "falta de ética" travestida em um código de valores previstos, favorecendo na maioria das vezes apenas aqueles que o criaram. Alguém já ouviu falar por exemplo em alguma empresa que fizesse algum tipo de assembléia com todos os funcionários para definir um código de ética unanime e oniparticipativo, onde os funcionários refletem juntos sobre os valores a serem defendidos no código? Não respondam .. um pouco de utopia de vez em quando não faz mal a ninguém .. rs
Enfim, com tudo isso conclui-se que é mais fácil para quem tem autonomia e acredita que os demais não sejam capaz de conduzir seu comportamento a partir de uma "moral autônoma" (e sabemos que existe grande percentual de verdade nesta crença), fazer essa parte da "reflexão" ética, e elaborar as regras a serem seguidas.
E assim caminha a humanidade .. agindo apenas por "medo da punição" ..
O que alimenta mais uma ação moralmente condenável; a falta de regras ou uma imposição excessiva de regras?
Afinal, o que é "moralmente condenável"?
A capacidade de refletir sobre os fenômenos morais e tomar autonomia pelos seus próprios códigos de conduta é uma capacidade de todos, ou privilégio de alguns ?
"Não existem fenômenos morais, apenas uma interpretação moral dos fenômenos...", disse algum dia um grande filósofo.

Uma ótima noite ..

Um comentário:

  1. De que vale a ética se não a cumprimos? Vejo que o problema é no executar da ética, dai compensamos em còdigos, estatutos e normas éticas ou qualquer outro nome que possa surgir da fertil mente humana ou na riqueza da lingua em relação a um conjunto de ações éticas. COmo já dizia a minha vó;

    "Mais vale um passaro na mão do que dois voando."

    ResponderExcluir