domingo, 11 de abril de 2010

O que é a essencia?

“Inquietavam-se as terras do oeste sob os efeitos da metamorfose incipiente. Os Estados ocidentais estavam inquietos como cavalos antes do temporal. Os grandes proprietários inquietavam-se, pressentindo a metamorfose e sem atinar com a sua natureza. Os grandes proprietários atacavam o que lhes ficava mais próximo: o governo de poder crescente, a unidade trabalhista cada vez mais firme; atacavam os novos impostos e os novos planos, ignorando que tudo isto era efeito, e não causa. Efeito, não causa; efeito, não causa. A causa escondia-se bem ao fundo e era simples – a causa era fome, barriga vazia, multiplicada em milhões; fome na alma, fome de um pouco de prazer e um pouco de tranqüilidade, multiplicada em milhões; músculos e cérebros, que querem crescer, trabalhar, criar, multiplicados em milhões. A última função clara e definitiva do homem – músculos que querem trabalhar, cérebro que quer dominar o simples desejo – isto é o homem. Construir um muro, construir uma casa, um dique, e botar nesse muro, nessa casa, nesse dique algo do homem, e retirar para o homem algo desse muro, dessa casa, desse dique; obter músculos duros à força movê-los, obterlinhas e formas elegantes pela concepção. Porque o homem, mais que qualquer coisa orgânica do universo, cresce à força de seu próprio trabalho, galga os degraus de suas próprias idéias, emerge à força de suas próprias habilitações. É é isto o que se pode dizer a respeito do homem; quando teorias mudam e caem por terra, quando escolas filosóficas, quando caminhos estreitos e obscuros das concepções nacionais, religiosas, econômicas alargam-se e se desintegram, o homem se arrasta para diante, sempre para diante, sempre para a frente, muitas vezes sob o efeito de dores, muitas vezes inutilmente. Tendo dado um passo à frente, pode voltar atrás, mas não mais que meio passo, nunca o passo todo que já deu. Isto se pode dizer do homem, dizer-se e saber-se. Isto se pode saber quando bombas caírem dos aviões negros sobre a praça do mercado, quando prisioneiros são tratados como porcos imundos, quando corpos crivados de balas rolarem na poeira. Aí, então pode-se saber isto. Não tivesse sido dado esse passo, não estivesse vivo no cérebro o desejo de avançar sempre, essas bombas jamais cairiam e nenhum pescoço seria jamais cortado. Tenha-se medo de quando as bombas não mais caem, enquanto os bombardeios estão vivos, pois que cada bomba é uma demonstração de que o espírito não morreu ainda. E tenha-se medo de quando as greves cessam, enquanto os grandes proprietários estão vivos, pois que cada greve vencida é uma prova de que um passo está sendo dado. E isto se pode saber –tenha-se medo da hora em que o homem não mais queira sofrer e morrer por um ideal, pois que esta é a qualidade-base da Humanidade, é a que o distingue entre tudo no universo.” (Steinbeck, 1939, p. 197. “As Vinhas da Ira”)

Poucas palavras que resumem com extrema eficiência aquilo que se pode dizer sobre o ser humano. Grandes estudiosos, filósofos, psicólogos, sociólogos ou até mesmo curiosos constituem uma tradição milenar de teorias, umas mais flutuantes, outras mais preocupadas em manter o pé no chão, mas todas com o objetivo de tentar entender isso que sabemos que existe mas ninguém consegue explicar objetivamente. Talvez nem seja possível. Essa força que move e produz o homem. Da qual ele é causa e efeito ao mesmo tempo; afinal toda causa é também um efeito e todo efeito causa alguma coisa. O fato é que essa força estranha que recebe diversos nomes dependendo do tipo de abordagem, diga-se espírito, diga-se natureza humana ou até essência, como preferir, essa força da qual não é em vão que chamo de “força”, pode, assim como Steinbeck cita, “construir um muro, construir uma casa, um dique, e botar nesse muro, nessa casa, nesse dique algo do homem, e retirar para o homem algo desse muro, dessa casa, desse dique”, assim como pode também derrubar uma bomba de um avião, destruir uma cidade inteira, cometer um genocídio, um holocausto e foder com a vida de milhões de pessoas com uma simples ordem ou com um simples apertar de botão.
Quando se produz uma obra de arte, uma pintura, uma escultura ou até mesmo quando se constrói uma simples casinha de madeira no campo, está se colocando no ambiente algo do homem. Este ambiente nunca mais será o mesmo. Foi marcado por “algo do homem”. Quem produziu também nunca mais será o mesmo. Foi marcado por essa produção. Agora é mais do que era antes de ter produzido. É o que era, mais o efeito dessa produção. Está além do que era e nem se da conta disso. Quando se joga uma bomba e se devasta uma ou mais cidades inteiras, também está se deixando “algo do homem” neste ambiente. Quando se sai pelas ruas gritando por “diretas já!”, quando um cangaceiro levanta uma arma contra um coronel, quando uma pequena guerrilha se estende a uma revolução que se opõe a um continente inteiro, ou quando um homem liberta uma nação colonizada sem encostar um dedo em ninguém, também está se deixando “algo do homem” nesse ambiente.

Talvez seja isso, a essência, a natureza ou espírito humano; como prefira chamar.

Uma ótima noite!

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Reflexão de final de ano ..

Final de ano. Mais um grande –se não o maior- motivo de minha cautela acerca dos homens. Ou talvez, melhor seja, acerca da civilização. Muito me admiram os exemplos de benevolência, amor e compaixão que são característicos desta época, muito embora uma boa parte dessas manifestações esteja mergulhada em uma expressão estritamente hipócrita, quase que num ato de penitencia às más interações ocorridas no decorrer do ano. Que serão essas manifestações, um pedido de perdão? Ou talvez uma chance de se redimir, ou pelo menos redimir a própria imagem dos estigmas da tirania e do egoísmo próprios dos demais momentos do ano? Pois bem, diante disso nada melhor do que uma boa fatia de décimo terceiro para entorpecer todo esse remorso; todos aqueles sentidos que condenam e dificultam a ascensão de um indivíduo sobre o outro e, em função do outro, em busca da “auto-centralização”, derivada do que Nietzsche descreveu como “vontade de poder”, característica intrínseca da natureza humana.
Pois é, ainda herdamos muito de nossos ancestrais. A natureza humana é indubitavelmente competitiva, e quem sabe não o seja, peculiarmente nesses últimos tempos, com um “quê” de especial. Passamos o ano inteiro tentando passar uns por cima dos outros, muitas vezes até sem saber que o fazemos, já que isso é não só uma característica da nossa sociedade mas uma exigência, e quem sabe até uma “lei de sobrevivência”.
Então quando chega o final do ano, pedimos perdão em forma de compaixão, solidariedade, todas aquelas incontáveis virtudes e finalmente, de maneira indispensável para qualquer celebração de final de ano bem sucedida ... os presentes ... Para que enfim possamos iniciar novamente mais um ano iníquo e perverso, porém com a consciência um pouco mais limpa .. rs
Afinal, o que tem a dizer um mero estudante de psicologia acerca do que é a natureza humana? A pouco tempo ouvi uma expressão que, particularmente nessa ocasião me despertou um interesse especial; “A felicidade contagia”. Perguntei a mim mesmo se a colocação correta não seria “A felicidade incomoda”. Sim, é verdade, a felicidade incomoda, e na medida em que pessoas aparentemente felizes incomodam pessoas infelizes, criam-se ideologias e representações sociais taxativas afim de tornar tal felicidade em um conceito de infelicidade e derrota. Imaginem se todas as pessoas se sentissem completas e auto-suficientes, o que seriam das nossas incontáveis instituições, que por assim dizer, vendem a felicidade?

Programa do Ratinho – Apresentação 21/12/2009
Menino faz cirurgia de correção das orelhas.

Para ser bem breve, durante o programa (o qual vi superficialmente, porém vi o suficiente) o apresentador promove uma cirurgia de correção de orelhas para menino que hipoteticamente deveria ter as orelhas “incorretas”. O programa ridiculariza explicitamente a característica física do garoto pré-cirurgia, e após a cirurgia faz diversas piadas extremamente pejorativas acerca de tal característica e o que é mais gritante, na legenda do quadro estava escrito algo parecido com “garoto faz cirurgia e resolve o problema”. Como é fácil resolver problemas não é verdade? Basta ter dinheiro ou ter a honra de ter o “problema” resolvido pelo apresentador de um dos programas mais deploráveis da nossa televisão brasileira. Muito me admiro que esse apresentador, o “solucionador de problemas” não tenha solucionado o problema de seu próprio nariz que toma a maior parte das atenções reservadas à totalidade da sua cara de verme, liberando e compartilhando seus excrementos com seus fiéis telespectadores.

A verdade é que para sermos “civilizados” temos que ser entorpecidos. A sociedade capitalista meritocrata precisa continuar fazendo sentido. Ela não pode fazer sentido apenas para os burgueses (o que é muito simples, visto que esses são criadores e donos desta sociedade e de todos os méritos a ela atribuídos), mas ela precisa fazer sentido para todos os demais indivíduos das demais classes, inclusive àqueles que possuem problemas semelhantes ao “problema da orelha”. Mas como fazer sentido a todos, se a sociedade é feita para a elite? A única maneira de fazer com que ela faça sentido a todos os demais é; entorpecendo todos os demais! Programas como o citado acima contribuem de maneira essencial para que as classes mais baixas e oprimidas, ao ligarem a tv, fechem a janela para toda a exploração e demagogia dos que as oprimem e mantenham o foco de suas atenções no espetáculo que as entorpece. Enquanto isso, os que cuidam da nossa “justiça”, libertam bancários subornadores, médicos estupradores e se abstém de fazer a “justiça” valer para aqueles que estão acima da lei e guardam dinheiro nas cuecas e nas meias, ao mesmo tempo em que a população se abstém de olhar para tudo isso. Afinal, é natal, tempo de paz, tempo de alegria, tempo de recesso.

“Sobre a hipótese de que, em liberdade, Abdelmassih poderia continuar praticando crimes, Mendes afirma que os argumentos apresentados se baseiam em "mera especulação", já que o médico teve o registro profissional suspenso.” Folha de São Paulo - Sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Interessante como quando se tem dinheiro as coisas se tornam tão simples não é? Gilmar Mendes concede abeas corpus para o médico estuprador e fala na impossibilidade dele “continuar praticando crimes”. Isso quer dizer que ele não precisa pagar pelos crimes cometidos, ele só precisa não continuar praticando. Bom, diante disso só se pode concluir que alguém está sendo muito bem pago por esses crimes, rs .. Ainda bem, não é Gilmar Mendes, que a sua mãe não se consultava com Abdelmassih, assim fica mais fácil tapar o sol com a peneira.

Mas enfim, de que importa tudo isso? Agora, neste momento temos uma mesa farta com aves enormes, um grande suíno assado, todos os outros componentes desse lindo banquete e um pinheiro enfeitado cheio de presentes em seus arredores. Enfeita esse pinheiro, além de diversos apetrechos coloridos e piscantes, algodão, bastante algodão por entre seus galhos. É um pouco estranho, visto que nevar, sobretudo nesta época do ano é uma coisa da qual não me lembro de ter ouvido indícios aqui no Brasil. Mas de que importa?... O que importa é que é lindo .. sim, sim .. como é lindo, tudo é lindo!

E você, já fez suas compras de natal?
Corram, o tempo está acabando ..

Um feliz natal a todos!

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Por quem fazemos?

Bom, já faz um bom tempo que não posto. Aliás, falando em tempo, lembro que não ando dispondo de muito para fazer muita coisa além do rotineiro. Que pena que o tempo é uma das únicas coisas que o dinheiro não compra, quem sabe eu pudesse financiar algumas horas de sono, ou parcelar alguns minutos para o meu próprio lazer, ou como se não bastasse, comprar algumas horas também para resolver aqueles tipos de coisas que ficam "por resolver", e que quando nos damos conta de que ainda não resolvemos, percebemos que o tempo que já passou, esgotou as possibilidades de resolver tal coisa. Pois é, quem sabe se o tempo pudesse ser comprado não resolveríamos uma boa parte dos problemas atuais de que ninguém consegue dar conta; se tempo é dinheiro, então compremos o tempo! Essa metamorfose ambulante que chamamos de mercado capitalista, que hoje precisa de x e amanhã precisará de y, mas ontem precisava de z, quem sabe tivéssemos tempo de colocar cada coisa dentro do seu próprio lugar, em um lugar onde nada tem o "seu próprio lugar". Ou quem sabe eu esteja viajando e nós estaríamos criando apenas mais uma mercadoria, que contribuiria apenas para tornar a nossa sociedade um pouco mais desigual do que já é, na medida em que o tempo acabaria sendo um privilégio para os que tem dinheiro; e mais uma insuficiência para os que não tem. Que ironia não, vejam só; já que tempo é dinheiro, quem tem dinheiro tem tempo, quem não tem dinheiro não tem nada, muito menos tempo, e no geral tem que trabalhar mais .. rs


De quanto tempo será que precisaríamos para consertar tudo o que já destruímos? Será que todo dinheiro do mundo compraria esse tempo? Será possível achar a cura para esse câncer que somos "nós"? Afinal somos frutos de um câncer mesmo, uma civilização que aprendeu a falar, escrever, sinalizar o que quer, deseja, necessita, aprendeu a brincar com fogo, e finalmente/infelizmente, aprendeu a DOMINAR. A partir desse momento, o que temos são só guerras atrás de guerras e a expansão desse câncer pelo mundo todo.
O fato é que, historicamente falando, desses últimos anos para cá, esse câncer vem se espalhando de maneira muito mais acelerada e agressiva, e nem os que "mais sabem" sabem bem ao certo até quando poderemos resistir a isso. Por conta disso "o importante é ser feliz" vêm sendo uma das máximas mais consagradas do nosso pensamento contemporâneo, afinal são tantos fatores que podem resultar na morte de uns, muitos ou todos, que a solução acaba sendo "tocar um foda-se" e fazer de tudo para levar uma vida minimamente feliz. Já que ser feliz no mundo capitalista implica ter dinheiro, então eu mudaria essa máxima para "o importante é ter dinheiro para ser feliz", e seja o que Deus quiser das gerações posteriores.
Digo isso tudo com a frieza de um niilista, e, ao mesmo tempo, dialéticamente, com a aflição de um romântico. Sabendo que, esse tipo de coisa exposto desta maneira provoca grande inquietação em muitos dos que lêem, porém, a todos que se inquietarem, saibamos que somos uns no meio de bilhões, percebendo o quão problemático é mudar o ritmo de uma música que bilhões dançam. Quando caímos novamente em si, já estamos novamente pensando no preço do quilo do tomate na feira.


Tudo vive em perfeito equilíbrio. Equilíbrio mantido por uma ideologia que nos permite trabalhar, vender, ganhar comissões em cima de vendas, ser gratificantemente reforçado por essas comissões e brigar muito por elas. Tudo ocorreu como deveria, o vendedor está fazendo a parte dele para conseguir encher o seu bolso, e consequentemente encheu o bolso também de seu superior, que encheu o bolso de seu superior e assim por diante nas hierarquias do fluxo organizacional. Assim as classes se mantém. Cada classe deve defender seus interesses acreditando que está primordialmente defendendo seus próprios interesses, quando na verdade está defendendo os interesses da classe superior, que por sua vez, também defende os interesses de sua classe superior acreditando que defende primordialmente os seus próprios. Assim caminha até a classe dominante. A classe dominante somente necessita saber DOMINAR. A partir dai que se definem as características que cada classe deve ter. Vivemos dentro de 2 tipos de dominação; a dominação política e a dominação ideológica. A dominação política geralmente é mais fácil de se atingir. Conseguimos obter algum acesso (mesmo que esse acesso seja apenas o que alguém está querendo mostrar) ao que está acontecendo. Vejamos; nossa constituição nos vê como cidadãos participativos que tem direitos e podem exercer sua força participativa para lutar pelos seus direitos. Quando nós acreditamos nisso, concretiza-se a execução da dominação ideológica, na medida em que acreditamos estar participando e defendendo nossos interesses perante à lei, quando na verdade estamos apenas escolhendo quem irá defender seus interesses em nosso nome.


E assim, todos nós, estamos a cada novo movimento gastando dinheiro. Logo quando acordamos, já começamos a gastar dinheiro quando acendemos a luz do nosso quarto. Daí por diante, o decorrer do nosso dia pode dividir-se em "momentos que gastamos dinheiro" e "momentos que ganhamos dinheiro". Ganhamos dinheiro para gastar, e trabalhamos, fazemos de tudo para ganha-lo de volta, não importa de que forma, a única coisa que importa é que temos que conseguir dinheiro, alimentando cada vez mais esse vazio que sempre fica por preencher dentro de cada um, do qual as pessoas passam a vida inteira tentando preencher. Numa relação onde todos vivem pelo dinheiro e em função do dinheiro, se o dinheiro não for o remédio para cura desse vazio, então ele deve, no mínimo, poder compra-lo.


Um ótimo dia a todos!

segunda-feira, 27 de julho de 2009

A ética antiética

[...] Então, hoje, fala-se em ética, e não mais em moral. Mas cabe perguntar se essa migração trouxe consigo alguma novidade , do ponto de vista do conteúdo. Blondel e Sptiz afirmam que não, e precisamos lhes dar razão. A palavra moral é suspeita porque fala em normas: ora, as atuais referencias a "ética" são tão normativas quanto aquelas associadas à moral. Longe de traduzir os ideais do "proibido proibir" juvenil, da época dos meninos e das meninas que amavam os Beatles e os Rolling Stones, as constantes referencias atuais à ética parecem mais relacionadas a uma demanda quase que desesperada por normas, por limites, por controle. Fala-se em ética na política: trata-se de regras. Elaboram-se códigos de ética nas empresas: mais uma vez, declinam-se regras de conduta. Criam-se comitês de ética na pesquisa: mais regras. Note-se que os valores em nome dos quais tais investidas éticas se realizam são os mais nobres: respeito pelo eleitor, pelo consumidor, pelo sujeito das pesquisas científicas (seres humanos e animais), e outros mais, todos inspirados pelos Direitos Humanos. Todavia, o fato é que as referências à ética tratam de deveres, assim como a moral o faz. Nenhuma real novidade, portanto. Ou melhor, há uma: a proliferação de diversas "éticas" são o sintoma de uma espécie de fúria normatizadora, à qual assistimos hoje, e que as estreitas balizas do "politicamente correto" traduzem com perfeição. Tal fúria não será, na verdade, decorrência de uma crescente desconfiança em relação à consciência moral dos indivíduos? Responder afirmativamente a essa indagação faz sentido, haja visto o número assustador de medidas de controle a que somos cotidianamente submetidos. Como já o sinalizaram alguns autores, fala-se muito em ética – na verdade, pensa-se muito na moral, mas com medo de empregar o terrível vocábulo – porque julga-se que algo vai mal nas relações sociais, que a desonestidade se banaliza, assim como se banalizam as incivilidades e a violência, que a honra se esvai e que reina a desconfiança. Todo o problema consiste em saber se a multiplicação das normas resolve o problema, ou se não estamos caindo no que Canto-Sperber chama de "fetichização da regra", decorrência de uma falta de reflexão sobre os princípios de onde derivam, se não estamos assistindo a uma "tirania ética", segundo a feliz expressão da mesma autora. Em resumo, vale a pena perguntar-se se a moda atual dos empregos da palavra ética não traduz, por um lado, a fantasia intelectual de crer que se está falando em algo profundo, científico, muito mais nobre do que a moral, e, por outro, uma espécie de volta para o passado, de volta para um fundamentalismo moral, agora com ares de sofisticação filosófica. Eis a pergunta. Minha resposta é a de que, por pensarem que seguem a nobre ética, muitas pessoas inconscientemente solapam a liberdade e a autonomia, por intermédio de um dogmatismo que não se assume enquanto tal. (La Taille, 2006, p.28)

O texto retirado da obra "Moral e Ética" de Ives de La Taille, traduz bem esse fenômeno tão consagrado quanto hipócrita que é o da abordagem atual da ética como "superioridade moral". Afinal, o que seria tal ética senão uma imposição de regras cuja fundamentação cognitiva muitos desconhecem? A própria "falta de ética" travestida em um código de valores previstos, favorecendo na maioria das vezes apenas aqueles que o criaram. Alguém já ouviu falar por exemplo em alguma empresa que fizesse algum tipo de assembléia com todos os funcionários para definir um código de ética unanime e oniparticipativo, onde os funcionários refletem juntos sobre os valores a serem defendidos no código? Não respondam .. um pouco de utopia de vez em quando não faz mal a ninguém .. rs
Enfim, com tudo isso conclui-se que é mais fácil para quem tem autonomia e acredita que os demais não sejam capaz de conduzir seu comportamento a partir de uma "moral autônoma" (e sabemos que existe grande percentual de verdade nesta crença), fazer essa parte da "reflexão" ética, e elaborar as regras a serem seguidas.
E assim caminha a humanidade .. agindo apenas por "medo da punição" ..
O que alimenta mais uma ação moralmente condenável; a falta de regras ou uma imposição excessiva de regras?
Afinal, o que é "moralmente condenável"?
A capacidade de refletir sobre os fenômenos morais e tomar autonomia pelos seus próprios códigos de conduta é uma capacidade de todos, ou privilégio de alguns ?
"Não existem fenômenos morais, apenas uma interpretação moral dos fenômenos...", disse algum dia um grande filósofo.

Uma ótima noite ..

sexta-feira, 10 de julho de 2009

Para quem se interessa ...

Bom, como de costume o primeiro post de um blog deve ser provido de uma apresentação. Pois bem, acho que aqui o relevante não é apresentar a mim mesmo, mas apresentar o objetivo do blog. O mesmo não tem o objetivo de “fazer novos amigos” nem de causar polêmicas, escândalos, etc ... Para mim o objetivo é apenas de registrar reflexões sobre temas relevantes (pelo menos para mim), apontar questões que muitas vezes passam despercebidas, mas que existem e não adianta fechar os olhos para tais, tentar alcançar uma síntese desprovida de qualquer tipo de exagero para qualquer lado; simplesmente compreender “as coisas como elas são”. Para os visitantes, espero que possam absorver algo positivo (mesmo que minimamente .. rs), encarar os temas com seriedade, refletindo sobre os mesmos da mesma maneira, até alcançar uma conclusão própria e consciente. Afinal “um homem que não pensa por si mesmo definitivamente não pensa”.

Importante relevar que não existe a mínima necessidade de você comentar nesse blog caso não queira. O objetivo do blog é apenas induzir a uma reflexão sobre determinada coisa, portanto posts como "nhai, muito show seu blog, bjinhus" ou "demoro muléki, passei pra da um salve", são estritamente dispensáveis. Se não for para "auto-proveito", então nem precisa ser. Não existe a necessidade de "fazer média".
Caso queira argumentar sobre algo pertinente ao tema, ou algo que o tema te levou a pensar e vice-versa, seu comentário será muito bem aceito, bem como a idéia apresentada. Afinal novas idéias são sempre bem-vindas.

Pode-se dizer que o objetivo aqui é buscar respostas. Não é apenas mais uma ladainha filosófica, a resposta que se busca não é apenas "uma resposta", mas a sua própria resposta. Arrisco até como melhor colocação dizer que o objetivo aqui é buscar perguntas. Perguntas das quais cada um responde a si mesmo, afinal a verdade é a coisa menos imutável que temos na nossa vida –pensando psicologicamente é só imaginar quantas verdades diferentes você mesmo já considerou no decorrer de sua vida; pensando sociologicamente é só imaginar que cada cabeça pensante é provida de uma verdade diferente-, essa propriedade leva a uma enorme variedade de atitudes diferentes no convívio social, visto que cada pessoa age de acordo com aquilo que acredita.
Na sociedade existem pessoas que procuram respostas e respostas que procuram pessoas, o perigo está na problemática: quem produz essas respostas?









O fato é que muitos sabem da existência de "pessoas procurando respostas". Em algum momento da história, alguns perceberam que podem criar respostas a seu favor, e utiliza-las; manipulando então as crenças de outras pessoas e a conseqüente manipulação do comportamento das mesmas.
Após ler esse ultimo trecho, acredito que algumas instituições possam ter aparecido na cabeça de muitos .. rs
Mas enfim, nós "cidadãos conscientes", sabendo disso, devemos (ou deveríamos) apenas nos policiar com relação a esse negócio de "procurar respostas", já que existem respostas que foram projetadas para penetrar em nós antes mesmo que as procuremos.
Para ilustrar, vou contar uma historinha. Um belo dia de domingo, Joãozinho decide passear com sua namorada, Mariazinha. Joãozinho vai até a casa de Mariazinha com seu passat 87, insufilmado, tanque cheio, aquele cheiro forte de combustível e aquela barulhera do típico carro de "garoto malandrão", ouvindo seu humilde reggae raiz. Levou aproximadamente 20 minutos para chegar até a casa da namorada. Mariazinha ao entrar no carro já dessarruma todo o espelho retrovisor de Joãozinho para se maquiar. Joãozinho pergunta: "Tá loco Mariazinha, porque não fez isso em casa?", e ela responde: "Ai Joãozinho não deu tempo..". Enfim, como em todo bom encontro de domingo com a namorada, foram parar no shopping-center. "Esse shopping é legal né Mariazinha, toda semana agente vem aqui e toda semana parece que agente ta vindo pela primeira vez", disse Joãozinho. "Pois é Joãozinho, acho que é porque tem muitas atrações diferentes para curtirmos". Joãozinho concorda e eles continuam andando.
Chegando ao cinema, Joãozinho pergunta: "Que filme vamos assistir Mariazinha?", e ela responde: "Vamos assistir Hannah Montana". Joãozinho torce o nariz e responde: "Mas esse dai agente já assistiu semana passada, vamos assistir Transformers!". Mariazinha chacoalha a cabeça e acrescenta "Esse daí meu tio comprou na barraquinha semana passada, está lá em casa, agente pode assistir depois ..".
"Somos os próximos da fila, melhor escolher rápido", percebeu Joãozinho. "Bom, então vai A Era do Gelo mesmo!", responde Mariazinha.
Após uma satisfatória sessão de cinema com muito refrigerante, pipoca, docinhos e tudo que se tem direito, os dois passeiam um pouco mais pelo shopping a conversar, olhando as lojas. "Ai Joãozinho, acho que estou precisando tomar um lanche!", diz Mariazinha com um olhar de necessitada. Joãozinho por sua vez, levanta uma das sobrancelhas e após uns 3 ou 4 segundos concorda com a idéia. No shopping havia uma lanchonete que as pessoas gostavam muito de ir. A lanchonete era tão eficiente, que quando o cliente chegava para fazer o pedido, o pedido simplesmente já estava pronto. Todo aquele vermelho realmente chamava a atenção e enfeitava todo aquele ambiente da praça de alimentação.
Ao chegarem no balcão, uma mocinha de cara fechada os atende e processa o pedido. Com muita frieza na voz, ela informa o valor, troca o dinheiro e devolve o troco muito rapidamente junto com o pedido. "Próximo ......", ela diz.
O casal caminha um pouco pela praça de alimentação até encontrar um lugar para sentar. Havia muita gente andando por ali, todas procurando por lugar, o barulho era intenso, as pessoas a conversar, pareciam bastante entusiasmadas. Mariazinha tromba com uma senhora e derruba um pouco de seu refrigerante. "Desculpe-me!", exclamam as duas juntas e então sorriem e seguem seus caminhos. "Você tem que tomar mais cuidado!", acrescenta Joãozinho com um ar de zombaria. Lá no fundo, quase no corredor dos banheiros, eles encontram uma mesa com dois lugares, um de frente para o outro. "Ainda bem que essas cadeiras são fixas no chão, porque é assim mesmo que eu quero ficar com você Mariazinha, de frente, para poder admirar sua beleza!", disse Joãozinho com o olhar apaixonado. "Ai Joãozinho você é tão romântico, acho que é por isso que eu te amo tanto!".
Perante esse caloroso clima apaixonado, os dois rapidamente comem e saem felizes ......
FIM

A historinha que acabei de contar além de ser muito bonitinha, ilustra muito bem esse tipo de relação de manipulação de crenças. É necessário ter a confiança de uma pessoa para conseguir mexer com a crença da mesma, mas a partir do momento que você consegue fazer com que algo se torne verdade para uma pessoa (mesmo que esse "algo" não seja verdade para você), você de certo modo adquire um controle sobre a mesma. Isso pode ocorrer em grande ou em pequena proporção. Alguns conseguem alcançar esse evento em tão alta proporção a ponto de tornar o comportamento das pessoas semelhante ao de robôs, dos quais você insere uma programação no sistema para que ajam de acordo com o que você espera.
A verdade é que você precisa possuir uma clientela rigorosamente domesticada para poder abrir um restaurante onde o pedido do consumidor já está pronto antes mesmo que ele o faça.
Existem 3 tipos de relações diferentes de compra e venda. Na primeira, a necessidade do vendedor em vender seu produto é muito maior do que a necessidade do consumidor de compra-lo. Ex.: a tiazinha que vende bala no ônibus. Passa de poltrona em poltrona distribuindo o seu produto nas mãos dos passageiros para que possam ter um contato maior com o mesmo. Depois volta até a catraca e praticamente se humilha na frente de todo mundo, muitas vezes com o intuito de que as pessoas sintam dó dela. Os passageiros por sua vez, sem anteriormente ter a mínima pretensão de comprar o produto, ao visualiza-lo de perto pensam: "É, bem que uma balinha de goma não iria nada mal agora".
A segunda relação ocorre de igual para igual. A necessidade do vendedor de vender seu produto é equivalente à necessidade do consumidor de comprar o produto. Ex.: A relação entre o vendedor de uma loja no shopping e o respectivo cliente. Enquanto o vendedor, comissionado pela sua venda (o que motiva-o bastante a correr atrás da mesma), faz todo o esforço possível para convencer o cliente de seu "não-arrependimento" por adquirir tal produto, o cliente por outro lado, faz corpo duro. Mesmo que esteja precisando muito de tal produto, o cliente precisa tentar garantir a melhor condição de compra.
A terceira relação -na minha opinião, a mais perversa de todas- é aquela da qual a necessidade do cliente de adquirir o produto é muito maior do que a necessidade do vendedor de vende-lo. A lanchonete em que Joãozinho e Mariazinha compraram seus lanches ilustra bem esse evento. O descaso do atendente com relação ao consumidor, tratando-o com explícita indiferença, mostra a relação do funcionário que não aguenta mais fazer o que faz, ganhar o que ganha e ser cobrado da maneira mais rígida possível para fazer o que faz cada vez melhor. O consumidor por ter (ou acreditar que tem) essa tão grande necessidade de adquirir aquele produto, não chega nem a se dar conta do teor desta situação (isso porque eu nem me atrevi a discorrer sobre preços). Assim sendo, senta-se naqueles bancos duros e imóveis, come rapidamente, sai feliz e satisfeito.







A PIOR DROGA É AQUELA QUE TE VICIA ANTES MESMO DE VOCÊ SABER O SIGNIFICADO DA PALAVRA "VÍCIO". AQUELA QUE LHE É APRESENTADA POR SEUS PRÓPRIOS PAIS, TUTORES, ETC. AQUELA QUE FAZ VOCÊ ACREDITAR QUE PRECISA DELA, MESMO QUE NÃO PRECISE.


Que tal começar a rever alguns valores? _\l/_
Uma ótima noite e bons sonos .....